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[FRANCA MENTE] SOBRE O QUE MATAMOS TODOS OS DIAS

Por Francine S. C. Camargo •
domingo, 22 de novembro de 2020

 

 


“Tudo quanto vive provém daquilo que morreu”

(Platão)

 

O quão peritos somos em matanças de tempos em tempos? Em intervalos de dias, semanas, meses, bimestres...quantos assassinatos cometemos?


Destroçamos relacionamentos e, para tanto, muitas vezes, tudo o que precisamos é virar a esquina, a página, bloquear, deixar de seguir, não responder mais. Redirecionamos o leme e seguimos novo curso, para que o algo fique para trás, perdido em ondas sempre iguais; trancamos sentimentos em gavetas e largamos a chave na bagunça mais perdida de nossas mentes, torcendo com descrença disfarçada para que o esquecimento seja nossa salvação. Nós nos viramos do avesso, já socorremos e fomos salvos em algum momento, de modo que nem sempre um ‘tchau’ acanhado caberia mais, após tantas despedidas extemporâneas.


Matamos crenças para dar lugar a novas, não por volubilidade, mas por termos parado para pensar e, consequentemente, mudar de ideia. E por pensar, já não somos mais o que costumávamos ser; não melhores, talvez nem piores, só diferentes. Novas pessoas.


Assassinamos fantasmas que em teoria já estavam prévia e consistentemente mortos, por definição, mas que ainda insistem em viver vidas normais em nossos sótãos, assombrando até a raiz do cabelo. Apesar do espanto, o tempo sempre é oportuno para fechar a cicatriz e deixar de ter medo dos sustos frequentes.


Massacramos, muitas vezes, nossos próprios prazeres, e junto a eles, o amor por quem somos e sempre lutamos para ser; pelo temor ao julgamento e ao virar de olhos, fugimos de nossa plenitude que chora, ri, busca, estuda e goza, desequilibrando assim nossos pilares.


Aniquilamos paixões candentes quando a encruzilhada se projeta adiante, utilizando de uma pontuação mal feita em frases desconexas e com uma pluralidade de interpretações: com tanta emoção e muitos tropeços, melhor seria andar em linha reta, sem precisar desviar dos constantes rasgos na terra em que a gente se estatela e tem dificuldade de se empertigar depois.


Há tantas devastações antes da morte de fato, mortes parciais com posteriores renascimentos, o velho criar e destruir que dá movimento rotativo à vida. Morremos tanto nos ontens que aspiramos pela vida nos amanhãs e lá estamos no futuro novamente morrendo e matando. Para as incontáveis mortes que nós registramos, não há segredo, pois a energia flui e abraçará outro ponto de partida, outra vida, essa sim indefinível.


Se as crenças falecerem, que se possa, a partir disso, criar novas certezas. Se a esperança deu seu último suspiro, é possível ventilá-la de forma invasiva e garantir um descanso enquanto ela se recupera e volta a funcionar em sua completude. Se os sonhos se extinguirem, pura ilusão, eles estão lá, é só matéria de voltar a vê-los. Agora se o amor parecer morrer...ah, que ilusão! Ele não morre, não, só hiberna. E transmuta.

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