Boa tarde, meus queridos! Tudo bem?
Casos e Acasos é a minha nova coluna aqui no STC. Neste espaço, irei lhes apresentar um pouquinho da cultura popular de minha região: o norte do Brasil. Como uma boa Paraense, convivo com uma cultura extremamente rica e permeada de lendas e personagens interessantes, as quais espero, por meio dos meus textos, apresentar a vocês.
O texto de hoje encontra sua inspiração na lenda do Boto.
“De acordo com a lenda, um boto cor-de-rosa sai dos rios amazônicos nas noites de festa junina. Com um poder especial, consegue se transformar num lindo, alto e forte jovem vestido com roupa social branca. Ele usa um chapéu branco para encobrir o rosto e disfarçar o nariz grande. Vai a festas e bailes noturnos em busca de jovens mulheres bonitas. Com seu jeito galanteador e falante, o boto aproxima-se das jovens desacompanhadas, seduzindo-as. Logo após, consegue convencer as mulheres para um passeio no fundo do rio, local onde costuma engravidá-las. Na manhã seguinte volta a se transformar no boto.
O boto cor-de-rosa é considerado amigo dos pescadores da região amazônica. De acordo com a lenda, ele ajuda os pescadores durante a pesca, além de conduzir em segurança as canoas durante tempestades. O boto também ajuda a salvar pessoas que estão se afogando, tirando-as do rio.”
Esta lenda serviu muitas vezes para justificar os casos de gravidez fora do casamento, ou ainda quando não se sabe quem é o pai da criança. Devido o teor de seu enredo, a lenda do Boto já foi representada no cinema, o filme de 1987. Com o título de Ele, o boto, tem no elenco Carlos Alberto Riccelli, Cássia Kiss e Ney Latorraca. A direção é de Walter Lima Junior.
- Michelle, sai da beira! – gritou minha mãe enquanto atravessávamos o rio Amazonas, rumo à casa de minha vó Antônia.
Aos oito anos eu não conseguia evitar o fascínio que aquelas águas me causavam, mesmo em meio aos fortes ventos que anunciavam a proximidade de uma tempestade.
Fazendo um esforço sobre-humano, consegui romper com a estranha e forte conexão que o rio tinha sobre mim e me afastei como minha mãe pediu.
A pequena embarcação estava lotada, dezenas de pessoas se amontoavam e falavam sem parar quando a tempestade finalmente chegou.
- Que o boto nos ajude a sair desse pau d’água. - Falou um garoto ao meu lado, ele não devia ser muito mais velho do que eu.
Eu já tinha escutado sobre as histórias do boto, mas sempre achei que era uma grande besteira; afinal, seria mesmo possível que um boto pudesse ajudar os pescadores, ou mais, se transformar em um homem e seduzir alguém? Esta sem dúvidas era a história mais louca que eu já tinha escutado. Mas a verdade é que não importa se você já a tenha ouvido antes, sempre haverá um abençoado para te contar sobre ela de novo e de novo.
- Olha, lá está ele!
O grito do garoto me trouxe de volta à realidade e eu direcionei o meu olhar para onde ele apontava.
Foi então que o vi pela primeira vez. O boto estava lá, olhando de volta para mim. Comecei a me aproximar da beirada da embarcação, completamente hipnotizada. Havia algo ali, uma força muito maior do que eu mesma... Era como se eu fosse chamada por ele, como se pertencesse aquele animal... Naquele momento tudo mudou, eu comecei a acreditar em seu poder.
Junto com aquela revelação, um intenso clarão cortou o céu e, seguido a ele, o céu rugiu. As águas se agitaram jogando a precária embarcação de um lado para o outro. Naquela hora, ficou claro o quanto a natureza é mais poderosa do que nós. Fomos arremessados com tanta força pela agitação das águas que começamos a afundar.
- Michele!
- Mãe! Mãe!
Por mais que gritássemos, isso não servia para nos aproximar. Um mar de gente estava entre nós e não havia nada que pudéssemos de fato fazer... Era como tentar achar uma agulha no palheiro. Nossas vozes se misturavam as dos outros naquele mar de desespero.
- Mãe, tô aqui! Mãe! Mãe!
Não havia mais nenhuma resposta. Nenhum “Michele” foi gritado de volta, e uma profunda tristeza pela compreensão de que a perdi me dominou. Parei de lutar, de tentar resistir. Já não havia esperança. As vozes começavam a se calar e meus olhos misturavam suas águas às do imenso rio que me cercava.
De repente, algo tocou em mim. Quando me virei para ver o que era fui surpreendida por ele. O boto estava ali. Ele viera por mim. Estiquei minha mão para tocar a pele cor de rosa... uma sensação de calor percorreu o meu corpo me aquecendo do frio. Era uma sensação tão gostosa que o envolvi com os dois braços, e deitei em suas costas. Aos poucos a fúria dos céus diminuía. Perdi a conta de quanto tempo fiquei daquele jeito, abraçada ao meu boto.
As águas antes povoadas e cheia de vozes, agora se calavam. Não havia ninguém além de mim. Todas as pessoas que estavam comigo a poucos minutos, sumiram, incluindo a minha mãe.
Choro, medo, desespero... Tudo se calou quando estava com ele. O boto me guiava pelas águas do grande rio. Eu não sabia para aonde estava indo. Mas, sinceramente, nem me importava. O que poderia ser pior do que perder a minha mãe e ficar sozinha? Sempre fomos só nós duas. O meu pai morreu antes mesmo de eu nascer. Ele era pescador e, assim como acabara de acontecer com mamãe, havia sido engolido pelas águas enquanto trabalhava. Talvez o nosso gosto a satisfizesse. Mas então por que ela – a água - não me queria também? Bem, talvez quisesse, mas acho que o meu boto me queria mais.
Entre um pensamento confuso e outro, adormeci.
- Michele?
Acordei com uma voz familiar e alguém me sacudindo. Quando finalmente abri meus olhos, as marcas de expressão em torno dos olhos negros, emoldurados pelos fios de cabelo cinza de minha avó me fitavam de volta.
- Vó?! – minha voz era pouco mais do que um sussurro, rouca como nunca a havia escutado.
- Ah, Bom Senhor, brigada! Minha menina tá viva!
Imediatamente me senti ser envolvida pelos braços dela. Quando dei por mim estava sentada, com o corpo envolvido em todo o amor que emanava de vó Antônia.
- Zé! Paulo! Venham ajudar!
Pouco tempo depois, meu tio Zé estava ao meu lado; mas não havia nem sinal do meu primo Paulo.
- Michele, quê contoceu?
Quando meu tio me pegou em seu colo eu não sabia o que responder, então soltei um mote de palavras desconexas.
- Uma tempestade...minha mãe...
Comecei a chorar. Ela não estava mais comigo.
- Oh, filha! Fica ansim não. Vamos cuidar de ti.
Eu sabia que sim, eles cuidariam de mim. Mas eu nunca mais a veria. Havia perdido a minha melhor amiga. Olhei para a margem do rio. Próxima a onde o boto havia me deixado e comecei a me questionar: Por que ele me escolheu? Será que ainda o veria?
Não importa o porquê, mas a verdade é que sempre seria grata ao meu boto; pois ele havia salvo a minha vida naquela tempestade.
(Continua...)
Queridos, espero que tenham gostado. A segunda parte de Sedução das águas será postada na próxima semana. Desejo a todos um ótimo final de semana.
Beijinhos!
Suellen Mendes
()
Oi, tudo bem?
ResponderExcluirMuito bacana, eu iria adorar ler um livro de contos inspirados em nosso rico folclore brasileiro! Com certeza seria uma leitura deliciosa, assim como foi ler essa pequena parte do conto!
Olá!
ResponderExcluirCostumamos ouvir sobre o folclore na escola e depois, no nosso dia a dia acabamos esquecendo que eles existem. Confesso que não sou amante das histórias, mas acho interessante e gostaria de saber de onde as pessoas tiravam essas lendas.
Achei interessante, no conto, o boto ter salvo a garota da tempestade e estou curiosa para saber se ela o verá de novo.
Beijos, Lara.
Psiu, Vem Ler!
Ahhh, achei legal até o jeito que escreveu algumas palavras que devem ser como vocês pronunciam aí, que é como é pronucniada aqui também é diferente. Esta lenda do boto é muito antiga e quando eu conheci na infância ficava pensando que seria uma coisa surreal. Pela música da Xuxa ainda. hahahaha
ResponderExcluirBeijos,
Greice Negrini
Blogando Livros
www.blogandolivros.com
Ah..... eu adoro a cultura do Norte.. .. amaria conhecer o Pará e já conhecia essa lenda do boto por que li em outra obra.... mas vim aqui para lhe dar os parabéns pela sua escrita.... está bem estruturada e agora quero a continuação.. .. claro! Bjus
ResponderExcluirOie! Tudo bem?
ResponderExcluirConhecia a lenda do Boto de uma forma diferente, mas com certeza por eu morar em outro estado as lendas mudam, mas a essência é a mesma! De qualquer forma amei o post e adquirir com ele algumas gírias novas para o meu vocabulário, esperarei pelo seu próximo post!
BJss
Adoro a maneira que vocês estão sempre se inovando, criando colunas novas, isso é incrivel. Eu conheci a lenda de maneira diferente, e graças a vocês ganhei um novo olhar, isso é fantástico.
ResponderExcluirOie...
ResponderExcluirNossa que coluna legal!
Achei super válida essa sua idéia pois dará muito conteúdo interessante para seus leitores. E eu, é claro, vou virar fã de carteirinha, pois, adoro esse tipo de coisa ;)
Adorei o texto falando sobre o boto.
Beijinhos...
Oie...
ResponderExcluirNossa que coluna legal!
Achei super válida essa sua idéia pois dará muito conteúdo interessante para seus leitores. E eu, é claro, vou virar fã de carteirinha, pois, adoro esse tipo de coisa ;)
Adorei o texto falando sobre o boto.
Beijinhos...
Olá!! :)
ResponderExcluirEu gostei de ler a historia, mais uma vez... Que bom que continuas a publicar.! Bem, espero que venha a copntinuaçao! hehe
Eu não conhecia a lenda e gostei de o fazer, assim como de ler a historia relacionada a ela também!
Boas leituras!! ;)
no-conforto-dos-livros.webnode.com
Olá, tudo bem?
ResponderExcluirAdorei o conto.
Já conhecia a lenda do boto, mas foi bacana vê-la pelos seus olhos.
A diversidade de flocore no nosso país é maravilhosa.
Beijo.
Oii!
ResponderExcluirEu já conhecia a lenda do boto, aqui no sul comemoramos o folclore também e estudamos várias lendas, quando crianças, na escola.
Achei seu conto bem bacana. Vou esperar a continuação. =)
Vícios e Literatura
Olá!
ResponderExcluirA lenda do Boto não é estranha para mim, lembro que quando criança estudei isso mas depois nunca mais procurei saber nada. Adorei esse seu conto inspirado na lenda, e vou ficar no aguardo para ver a continuação. Parabéns pela coluna!
Beijos.
Olá!
ResponderExcluirA cultura do Pará é realmente muito forte. Eu sou mineira, mas sempre admirei a cultura nortista e nordestina, acho lindo. A lenda do Boto eu também conheço, acho ela muito legal, o que eu não sabia é que tinha um filme inspirado nessa lenda, que demais. Há algumas semanas, eu estava conversando com minha mãe, sobre uma lenda da minha cidade e tive essa mesma ideia de coluna, que você, só que eu iria contar só sobre as da minha cidade mesmo, que são poucas. Eu adoro poder falar de lendas, mitos e tudo mais, é divertido.
Beijos,
Nay
Traveling Between Pages
Oie
ResponderExcluirai que legal o post para conhecer melhor diferentes culturas, adorei e já conhecia o conto hahaha muito legal
beijos
http://realityofbooks.blogspot.com.br/
Oie!! Menina que ideia genial!!!
ResponderExcluirA lenda do boto é uma das que eu mais conheço por causa da minha época de escola, me lembro que fiz um trabalho sobre isso e tudo mais.
Adorei o conto baseado nessa lenda e to ansiosa para ler a continuação.
beijos
Livros & Tal
Oi, tudo bem?
ResponderExcluirNossa que criatividade! eu adoro contos e esse está maravilhoso ,ainda mais por ser inspirado na lenda do Boto cor de rosa, eu lembro que antigamente eu amava escutar essas histórias de lendas urbanas. Amei a escrita e com certeza lerei a continuação!
Beijos
http://www.oteoremadaleitura.com/
Oiee!!!
ResponderExcluirAdoro saber mais sobre as culturas de cada parte desse nosso país imenso, e adorei conhecer mais sobre a lenda do boto. Somos um país tão rico, e às vezes a distância entre as regiões nos impede de conhecer mais sobre ele né?
Fiquei curiosa para saber o final do conto também!! Aguardo a continuação.
Um beijo!
www.asmeninasqueleemlivros.com