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O QUE VOCÊ TEM FEITO DA VIDA

Por Leandro Salgentelli •
sábado, 14 de setembro de 2019


Era um dia chuvoso, na praia, com os amigos, e algo dentro de mim começou a falar mais alto: o que você está fazendo com sua vida? É natural que os questionamentos nos cheguem, mas justo naquele momento em que todos ao redor estavam rindo, falando sobre o trivial, sobre o cachorro que latia para seu dono a poucos metros na orla da praia.

Algo dentro de mim gritava. Qualquer relação que se constrói passa pelas nuances, pelo mal-estar da convivência, no caso, da intimidade comigo mesmo. E como todo casal brigado, não importa o lugar: as pessoas que estão ao seu redor sempre vão perceber nossa estreiteza, a raiva, a dor, a angustia. Todo silêncio grita. 

Tentamos abafar esse estranhamento interno com esoterismo, noitadas, bebidas, holofotes. Costumamos disfarçar a dor da alma porque é mais fácil fingir demência, ora, está tudo bem, logo passa.

Mas não passa. A gente só adia o inevitável. A culpa, o medo, o fracasso, encontre você mesmo os adjetivos que o compõe. A gente foge da angústia porque não sabe o que fazer com ela, enquanto os likes cumprem o papel remotamente de preencher vazio, protagonizando nossas máscaras; o que levamos entranhado, no íntimo, segue em ruína.  

Ela, a soberana, tem horas que se alto impõe: é com você mesmo que preciso conversar! Pode ser numa viagem com os amigos, pode ser num dia qualquer, agora, por exemplo. O que você tem feito da sua vida?

E, talvez, numa dessas viagens você descubra o imponderável. Que a vida prática tem roubado o direito ao desatino. Que as obrigações e as exigências diárias têm tirado a leveza que tanto preservava. E que a vida noturna ao invés de revelar a vida sensacional e dinâmica que leva, tem sido o verdadeiro álibi para os bodes-expiatórios.  

Provavelmente, numa dessas viagens você descubra também que a vida é muito curta para guardar antigos ressentimentos. E já que está ali, diante do mar, que o vento se encarregue de levar tudo que ruminou.

Decerto você descobrirá entre um papo e outro, entre uma miragem e outra, que não quer mais ter intimidade com aquilo que não lhe convém. E passa a perceber que a permanência tem seu charme. E quem sabe você descubra que quer se casar, que quer, sim, ter filhos. Que merece um relacionamento sólido. Ou descubra o oposto: que não quer mais estar infiltrada num relacionamento falido. Que definitivamente não quer ter filhos.

E talvez você descubra a poesia de ver as pessoas caminhando à beira do mar. Que o dia pode ser lindo – mesmo chuvoso. Que os olhares, as mãos dadas, o sorriso no rosto é o que preenche. E talvez você descubra, num desses dias, que não quer mais ser a melhor mãe do mundo, o melhor pai do mundo, o melhor em qualquer coisa.

Possivelmente você descobrirá sua insignificância e que a vida é isso: o entendimento com as fragilidades, o reconhecimento das imperfeições e a aceitação das nossas oscilações de humores.

O que você tem feito da vida?, ela nos pergunta em silêncio. As respostas não chegam rápidas. A compreensão delas também não. Mas é o recomeço para se levar uma vida como se gosta.

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