Destaques

[FRANCA MENTE] PINGOS DE SANGUE TRANSPARENTES

Por Francine S. C. Camargo •
domingo, 16 de fevereiro de 2020

ATÉ ONDE SE TEM CONHECIMENTO, o mar não chegou a responder quanto do seu sal eram lágrimas de Portugal.


 Essa ameaça de fogo nos olhos tem explicação anatômico-funcional. Trata-se de um líquido composto por água, sais minerais, proteínas e gordura, que é produzido nas glândulas lacrimais nas pálpebras superiores, com o intuito de limpar e lubrificar. Esse fluido é direcionado pelos canais excretores e carregado para o espaço entre o globo ocular e as pálpebras, espalhando-se por toda a superfície do olho ao piscar.

 Existem tipos de lágrima diferentes. A basal, que é produzida para lubrificação da córnea, funcionando também como uma camada de defesa imunológica. A reflexiva, produzida como reação a algum agente irritativo aos olhos, como partículas estranhas. E a emocional, o choro propriamente dito, que decorre de algum acometimento emocional ou físico; esse tipo de lágrima contém principalmente hormônios, mas também substâncias com função anestésica, funcionando menos como mecanismo de defesa ao corpo e mais como calmante.

 Conclui-se, dessa forma, que chorar é um instante de vulnerabilidade, com exceção, é claro, dos crocodilos, cujas lágrimas são vertidas com finalidades nutricionais.

 É dito que pouco se conquista com lágrimas, já que elas não são bons argumentos em nenhuma discussão.

 Enquanto as gotas desabam (pingos de sangue transparente), pensamentos são dizimados ou passam a existir sub-repticiamente, o corpo todo é absorvido pelo ato, com soluços, vermelhidão na face, alteração no padrão respiratório e, não raro, espasmos pelo corpo.

 É transigente deixar que o aguaceiro se espalhe pelo rosto, há quem separe uma data na agenda para extravasar tudo de uma vez, ficando em dia com o bom funcionamento do organismo. Do mesmo modo, existem os que acreditam que tal líquido possa regar um pouco de tolerância em seu interlocutor.

 Também lágrimas e risos caminham contíguos, e pode ser necessário despachar logo um pouco de choro antes que o riso se apresente e o contrário também se verifica, já que, segundo teorias Millorianas, entre o riso e a lágrima há apenas o nariz.

 Há, entretanto, os que acreditam ser o silêncio o choro mais supremo de uma pessoa, e músicas inclusive vangloriam esse apanágio. Chorar verdadeiramente, para valer, não significa, dessa forma, derramar lágrima sequer. É nessa hora que as lágrimas correm para dentro, por dentro, feito sangue dentro dos vasos, ninguém sabe, ninguém vê, mas essa imensa quietude grita por conta própria, até que alguém, quem sabe, possa ouvi-la.

Por: Francine S. C. Camargo

Comentários via Facebook

0 comentários:

Postar um comentário

Deixe sua opinião para nós do Refúgio Literário

Publicidade

iunique studio criativo

Instagram

    © Refúgio Literário – In Livros