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[CRÔNICA] DAQUILO QUE EU NÃO SEI

Por Francine S. C. Camargo •
domingo, 21 de abril de 2019
NÃO aprendi a ser princesa, pois nem vestido garboso eu tinha, muito menos sabia caminhar com sapatos graciosos. E, mesmo com as bochechas exageradamente rosadas e os lábios afogueados com a maquiagem furtada, minha fantasia era distante. Não era em castelos que desejava viver, pois ainda não cogitava sair da escuridão.

 Não soube jamais lidar com a saudade, aquela saudade de encontros e até do que não foi vivido. Ainda namoro o passado quando as horas permitem, mesmo que a luz do dia bloqueie a visão de lembranças obsoletas.

 Não ousava olhar-me ao espelho, tamanho era o acanhamento que me corroía. Ainda hoje me surpreendo com a imagem encontrada e fico ali parada a me aprofundar em detalhes que soem inéditos em meu rosto cansado, feito criança, em jogo de “achou”, para ter o prazer de me reencontrar comigo.

 Nunca soube o que fazer com meus braços soltos, se à paisana estivesse. Talvez por isso prefira estar com as mãos livres, buscando ainda o movimento perfeito, que ninguém executou.

 Não sabia comer manga, nem tirar mancha de camisa e as manchas na alma carreguei, mesmo as tendo esfregado obstinadamente.

 Meu violão não pude tocar. A letra da melhor música me fugiu e ficou esquecida no tempo. Pelas tristezas custei tanto a chorar e agora hesito em enxugar a face molhada de lágrimas.

 Demorei a permitir que novas amizades se instalassem, pois carregava comigo a cicatriz do abandono.

 Pobre de mim não ser poeta!

 Mas a carta que escrevi permaneceu em minhas mãos e, mais tarde, dentro de algum caderno escondido. Como não pude entrega-la, virou prosa para aquecer os dias futuros.

 Quanto aos pensamentos sorrateiros, não soube impedi-los no silêncio da noite e nunca soube rezar, pois nunca entendi para quem devia fazê-lo. Assim, muito me conheci, mesmo falando a língua dos anjos caídos.

 Não soube desfazer alguns nós que deixei pelo caminho e pouco me importei quão apertados estavam, já que era meu peito que sufocava mais do que tudo.

 Não soube ser muito pouco. Nem pular as páginas. Nem abandonar as reticências. Nem gritar por arrimo. Não descobri o mundo e, no entanto, ele me surgiu, com sua vastidão, mas sem susto. Não extingui o sofrimento do outro como almejei e proclamei. Mas incomodada, eu o trouxe comigo para que fizesse parte dos meus dias.

 Então cada história dorida se entrega no papel, contando sobre as vivências e brechas de vidas que, de alguma maneira, uniram-se a minha. E eu avanço, contando e recontando, pois não soube cultivar o hábito antigo de emudecer. E me apresento tal como me enxergo, porque por enquanto, eu só sei ser nua.

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