
Acabo de ler Que ninguém nos ouça, de Leila Ferreira e Cris Guerra, um livro divertidíssimo e ao mesmo tempo emocionante, pois retrata confissões de duas mulheres que já passaram por poucas e boas. O livro, como sugere a capa, é uma terapia virtual em que as duas trocaram e-mails falando da vida, sexo, amor, amizade, enfim, aquilo que se catalogou em qualquer cultura: as relações.
A certa altura de uma das correspondências, Leila fala sobre uma frase de Cris: “‘Que eu acorde como quem nasce’. Achei perfeito. A gente não pode perder o que a vida tem de inédito — todos os dias a gente esbarra no novo, tem a chance de se surpreender, de se emocionar. O problema é que o olhar fica viciado: o tempo vai nos deixando com a alma blasé, o espírito entediado, e acordamos a cada dia com o olhar cansado de quem tudo viu e tudo sabe. Só que a vida está cheia de estreias. E tudo é estreia para quem acabou de nascer. Então que o tempo nos dê essa capacidade de zerar a cada manhã, não só o olhar, mas o espírito, pra que ele não saia da cama arrastando chinelos”.
Que eu acorde como quem nasce. Quase perfuro o livro tentando sublinhar esse trecho que nos toma pela mão. A cada manhã, a gente acorda, vai para o trabalho, depois vai para a faculdade e depois volta para a casa, numa repetição diária; mas dentro dessas repetições que é atravessar os dias, a gente ri, aprende, conversa, cresce. Conhecemos pessoas inspiradoras, inteligentes, enfim, a cada dia, há sempre alguém para nos apresentar com o novo, seja com sorrisos ou com silêncios.
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Imagem: Reprodução/ Internet |
O curioso é que nós catalogamos a vida com adesivos, com fotos, recortes de um acontecimento — que bobagem —, a vida está sempre um passo a frente das selfies e dos likes. O que pouco se discute é que as fotos estão ali apenas como registro, mas o que realmente importa é o que acontece no entorno. Seja uma rua desconhecida, seja a alegria de uma criança, seja a agitação de um adulto.
É o ar que respira que nos transporta para a inocência. É o se reconhecer no próprio silêncio — ou até mesmo diante de inusitado você ser capaz de reconhecer a si mesmo pela primeira vez. Por que tive essa reação?
Pode ser uma conversa com o amigo, e naquele estante de distração, algo te invade sem pedir licença, sem explicação. Então, algo dentro diz que é momento de renovar as perspectivas, renovar o espírito, renovar até mesmo as ausências.
Pode ser numa tarde qualquer em que o seu silêncio ganhará forma. Pode ser numa rua que atravessa todos os dias, mas aquela mesma rua vai te transportar para a estreia. É diante do inusitado, do estado de epifania, que a gente descobre que é possível acordar como quem nasce.
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